Um quilombo no Brasil é uma comunidade criada por africanos ou afro-brasileiros que escaparam da escravidão (ou um lugar onde afro-brasileiros foram outrora escravizados, posteriormente ocupado por afro-brasileiros após a abolição da escravidão no Brasil em 1888). Enquanto no Brasil o termo está irrevogavelmente associado à escravidão, em Angola significa simplesmente “aldeia”. Aos olhos de muitos no Brasil, os quilombos, ou comunidades quilombolas, como são frequentemente chamados, são vistos com desdém, como lugares simples, atrasados, marcados pela pobreza endêmica e por pessoas ignorantes. Mas isso é como olhar para o céu em um dia claro e não enxergar o sol. Foi a partir desses lugares que a vasta, profunda e iridescentemente cintilante cultura pela qual a maior parte do mundo define o Brasil fluiu como uma maré imparável. Mateus Aleluia, de Cachoeira, Bahia, relata uma história que ouviu há muito tempo: Um baiano escravizado disse a seu “senhor”, “Vocês nos conquistaram, mas nossa cultura conquistará a de vocês”. E em grande medida, isso aconteceu.
A Bahia tem, como se poderia supor ao considerar o fato, mais quilombos do que qualquer outro estado do Brasil. E embora se possa imaginar que, na era moderna, após mais de um século ou séculos de existência, as pessoas que ainda vivem nesses quilombos estariam em paz com o mundo ao seu redor, em alguns casos isso seria correto. Mas, em muitos outros casos profundamente lamentáveis, isso seria um grave equívoco.
Assim como ocorre com aldeias indígenas no sul da Bahia, há quilombos que se estabeleceram pacificamente em terras que eram tranquilas porque ninguém mais as desejava. O quilombo Pitanga dos Palmares está localizado ao norte de Salvador, e essa área, que antes era um refúgio rural, agora está cercada por urbanização e indústria. Isso tem gerado inúmeros conflitos com os moradores do quilombo, a ponto de a líder do quilombo, Mãe Bernadete, ter sido brutalmente assassinada em 17 de agosto de 2023. Esse crime ocorreu após o assassinato de seu filho, conhecido popularmente como Binho do Quilombo, em 19 de setembro de 2017.
Filho sobrevivente de Mãe Bernadete, Wellington Pacífico, visto aqui com a Ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, é o coordenador geral da Associação de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (ASSEBA). Enquanto “sambista” se refere a alguém que toca o samba “urbano”, “sambador” ou “sambadeira”, respectivamente no masculino e no feminino, referem-se às pessoas do samba rural, samba de roda e samba chula. A música dos sambadores e sambadeiras da Bahia nasceu nos quilombos e senzalas. É a penúltima música fundadora do Brasil, sendo a música fundadora a do candomblé.
Na sexta-feira, 29 de novembro de 2024, o Diário Oficial da União declarou os 2.106 acres de terras ocupados por Pitanga dos Palmares como de “interesse social”, o que significa que a área está protegida por lei federal (DECRETO Nº 12.274, DE 29 DE NOVEMBRO DE 2024) e não pode ser expropriada.
Visitas ao Quilombo Pitanga de Palmares podem ser agendadas: [email protected]
Oficialmente, não existe uma península do Iguape. Existe a Bacia do Iguape, uma ampla enseada do rio Paraguaçu que se estende de volta na direção de onde o Paraguaçu flui. Cercada pela bacia a oeste, pelo rio ao sul e pela baía (Baía de Todos os Santos) a leste, há, de fato, uma península. Não cabe a mim nomear essas coisas, mas é assim que eu a chamo: a península do Iguape/the Iguape peninsula.
Há quilombos por todo o Brasil, mas alguns nesta península específica foram particularmente abençoados. O quilombo no extremo nordeste é São Braz, lar do icônico João do Boi Saturno, que faleceu em janeiro de 2023 (seu irmão e parceiro musical Alumínio vivia na estrada que sai de Santo Amaro, em um distrito chamado Pitinga; a esposa de Alumínio, Raimunda — que cantava com o grupo — ainda vive lá; Alumínio e João do Boi podem ser vistos no maravilhoso clipe nesta página). Descendo para o sul, chega-se a Acupe, dos Raízes de Acupe e Ecinho, do Nego Fugido e As Caretas. Indo mais ao sul, chega-se a Saubara, com seu candomblé e cheganças… e seguindo mais adiante, chega-se a Bom Jesus dos Pobres, com Rita da Barquinha; onde Raymundo Sodré um dia deitou-se em uma rede e transformou em sua mente uma melodia de Bach em uma chula; de onde a esposa de Sodré enviou uma fita cassete com gravações de alguns de seus sambas — incluindo essa chula — para a PolyGram no final dos anos 70…
Descendo pelo lado oeste da península, passa-se pela entrada de uma estrada de terra que leva aos quilombos de Calembar e Catolé, e depois outra estrada de terra que leva aos quilombos de Dendé e Kaonge. Kaonge foi organizado pelos irmãos Ananias Viana e Jucilene para demonstrar e explicar aspectos da vida em um quilombo, no passado e no presente. Visitas podem ser agendadas entrando em contato com Andreza, sobrinha deles, via WhatsApp ou telefone no +55 71 9.9607-1452. O bar rústico na entrada de Kaonge pertence ao pai de Ananias e Jucilene. Todo mês de outubro, Kaonge realiza uma Festa de Ostras, com ostras preparadas de diversas formas, incluindo em moquecas. Há muito samba de roda e outras músicas.
Continuando para o sul, chega-se à entrada para Santiago do Iguape, uma pequena cidade/quilombo construída em torno de uma igreja — a Igreja de Santiago do Iguape — construída pelos jesuítas por volta de 1718, e de um engenho de cana-de-açúcar. Pode-se perguntar como um quilombo passou a habitar terras controladas pela elite, sendo a resposta que após a abolição da escravidão no Brasil em 1888, os afro-brasileiros estavam “livres” para se mudarem para áreas onde antes teriam sido devolvidos à escravidão. Santiago é lar do pescador/chuleiro Domingos Preto.
Ao sul de Santiago do Iguape, passa-se pelo quilombo de São Francisco do Paraguaçu até o fim da estrada e o Convento de Santo Antônio do Paraguaçu, anexo à igreja de Santo Antônio do Paraguaçu. Igreja e convento foram, abandonados (A Missa de domingo agora é realizada na igreja, com os fiéis sentados em cadeiras de plástico.). Tudo dentro foi retirado e levado, restando o que hoje é uma presença sombria, imponente, melancólica, e ameaçadora, com vista para o extremo inferior da Bacia do Iguape, de frente, do outro lado da bacia e do rio, para a cidade de Maragogipe. Descendo à esquerda, ao olhar para a água, há vários bares/restaurantes, belos em sua simplicidade.
De acordo com o Relatório Antropológico Quilombo de São Francisco do Paraguaçu feito por o Ministério do Desenvolvimento Agrário / Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária / Superintendência Regional da Bahia: Durante a construção do Convento do Paraguaçu, muitos negros fugiram do trabalho árduo e procuraram um lugar de mata fechada para se refugiar, onde formaram o quilombo do Boqueirão. A partir da fuga, esses escravos constituíram o quilombo do Boqueirão ocupando a região do Boqueirão, Alamão e do Caibongo Velho, locais escolhidos devido à facilidade de água. Lá se plantava batata, feijão, mandioca em cima do barro vermelho. Após a abolição eles voltaram para vila, onde só moravam os brancos, os donos de engenho.
A Missa dos Quilombos de Milton Nascimento foi lançada em 1982 e, posteriormente, como CD quando este formato entrou em cena. O CD inclui uma faixa bônus, Ony Saruê — uma cantiga de candomblé de beleza extraordinária — dedicada a Oxalá, o “pai” dos orixás. Uma canção extremamente apropriada para esta igreja em particular:
Ao atravessar a Praça da Sé, no Pelourinho (o Centro Histórico de Salvador), encontra-se, no meio da praça, uma estátua de um homem negro de porte poderoso, apoiado em uma lança, com um dos pés dobrado contra o joelho da perna oposta. Este é Zumbi, sobre quem há muita polêmica, mas cuja vida tem contornos gerais conhecidos: ele foi o último rei do “Quilombo” dos Palmares, uma vasta coleção de aldeias que abrigava dezenas de milhares de africanos, afro-brasileiros e outros… localizada ao norte da Bahia, na então capitania de Pernambuco e que hoje se encontra dentro do estado de Alagoas. A posição de sua perna sugere sua claudicação, resultado de um ferimento sofrido em batalha contra os portugueses. Palmares foi parcialmente destruído, após muitas tentativas, pelos portugueses em 1694, e o próprio Zumbi foi traído e capturado, tendo sua cabeça salgada exibida ao público no Recife. Alguns anos depois, o que restava de Palmares foi extinto.
A morte de Zumbi ocorreu em 20 de novembro, data que foi oficialmente nomeada O Dia Nacional de Consciência Negra em 2011. Embora possamos supor razoavelmente que Zumbi, o experiente guerreiro e rei, tinha um porte poderoso, sabemos com certeza que ele é um símbolo poderoso. De uma luta e de lutas que continuam até hoje. Não é preciso ir muito longe: basta olhar para o quilombo Pitanga dos Palmares, ao norte de Salvador, para comprovar isso.
O grande Jorge Ben expressou isso da seguinte forma:
Angola, Congo, Benguela
Monjolo, Cabinda, Mina
Quiloa, Rebolo,
Aqui onde estão os homens
Há um grande leilão
Dizem que nele há uma princesa à venda
Que veio junto com seus súditos
Acorrentados em carros de bois
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Angola, Congo, Benguela
Monjolo, Cabinda, Mina
Quiloa, Rebolo,
Aqui onde estão os homens
Dum lado cana de açúcar
Do outro lado o cafezal
Ao centro senhores sentados
Vendo a colheita do algodão branco
Sendo colhidos por mãos negras
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Quando Zumbi chegar
O que vai acontecer
Zumbi é senhor das guerras
É senhor das demandas
Quando Zumbi chega
É Zumbi é quem manda
Zumbi é senhor das guerras
É senhor das demandas
Quando Zumbi chega
É Zumbi é quem manda, ê
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Angola, Congo, Benguela (eu quero ver, eu quero ver, eu quero ver)
Monjolo, Cabinda, Mina (eu quero ver, eu quero ver, eu quero ver)
Quiloa, Rebolo, (eu quero ver, eu quero ver, eu quero ver)
Angola, Congo, Benguela
Monjolo, Cabinda, Mina
Quiloa, Rebolo,
Angola, Congo, Benguela (eu quero ver quando Zumbi chegar)
Monjolo, Cabinda, Mina (o que vai acontecer, eu quero ver)
Quiloa…